20.2.06




"...o tempo avança com cinza, com ar e com água! A pedra que o lodo e a angústia morderam floresce com prontidão com estrondo de mar, e a pequena rosa regressa ao seu delicado túmulo de corola.
O tempo lava e desenvolve, ordena e continua.
E que fica então das pequenas podridões, das pequenas conspirações do silêncio, dos pequenos frios sujos da hostilidade? Nada..."

Pablo Neruda



Estaremos todos dispostos, independentemente das escolhas e opções, a pagar o preço de uma conduta elevada, marcada por uma intransigência de príncipios fundamentais? Sendo que ninguém é dono da verdade absoluta, importa que as decisões provenham de uma saudável e proveitosa discussão de ideias e de estratégias políticas, que permitam a reflexão individual e consciente de todos os envolvidos em momentos decisivos que se avizinham.
Qualquer pessoa gosta do elogio, e de percorrer o caminho menos sinuoso, pois ele opera pela insinuação. Mas não da crítica, e do verdadeiro combate político, já que este opera pela exclusão.

6.2.06

"O Cerco"

"JÁ FALTOU mais para que um dia destes tenha de passar à clandestinidade ou, no mínimo, tenha de me enfiar em casa a viver os meus vícios secretos. Tenho um catálogo deles e todos me parecem ameaçados: sou heterossexual «full time»; fumo, incluindo charutos; bebo; como coisas como pezinhos de coentrada, joaquinzinhos fritos e tordos em vinha d’alhos; vibro com o futebol; jogo cartas, quando arranjo três parceiros para o «bridge» ou quando, de dois em dois anos, passo à porta de um casino e me apetece jogar «black-jack»; não troco por quase nada uma caçada às perdizes entre amigos; acho a tourada um espectáculo deslumbrante, embora não perceba nada do assunto; gosto de ir à pesca «ao corrido» e daquela luta de morte com o peixe, em que ele não quer vir para bordo e eu não quero que ele se solte do anzol; acredito que as pessoas valem pelo seu mérito próprio e que quem tem valor acaba fatalmente por se impor, e por isso sou contra as quotas; deixei de acreditar que o Estado deva gastar os recursos dos contribuintes a tentar «reintegrar» as «minorias» instaladas na assistência pública, como os ciganos, os drogados, os artistas de várias especialidades ou os desempregados profissionais; sou agnóstico (ou ateu, conforme preferirem) e cada vez mais militantemente, à medida que vou constatando a actualidade crescente da velha sentença de Marx de que «a religião é o ópio dos povos»; formado em direito, tornei-me descrente da lei e da justiça, das suas minudências e espertezas e da sua falta de objectividade social, e hoje acredito apenas em três fontes legítimas de lei: a natureza, a liberdade e o bom senso.
Trogloditas como eu vivem cada vez mais a coberto da sua trincheira, numa batalha de retaguarda contra um exército heterogéneo de moralistas diversos: os profetas do politicamente correcto, os fanáticos religiosos de todos os credos e confissões, os fascistas da saúde, os vigilantes dos bons costumes ou os arautos das ditaduras «alternativas» ou «fracturantes». Se eu digo que nada tenho contra os casamentos homossexuais, mas que, quanto à adopção, sou contra porque ninguém tem o direito de presumir a vontade «alternativa» de uma criança, chamam-me homofóbico (e o Parlamento Europeu acaba de votar uma resolução contra esse flagelo, que, como está à vista, varre a Europa inteira); se a uma senhora que anteontem se indignava no «Público» porque detectou um sorriso condescendente do dr. Souto Moura perante a intervenção de uma deputada, na inquirição sobre escutas na Assembleia da República, eu disser que também escutei a intervenção da deputada com um sorriso condescendente, não por ela ser mulher mas por ser notoriamente incompetente para a função, ela responder-me-ia de certeza que eu sou «machista» e jamais aceitaria que lhe invertesse a tese: que o problema não é aquela deputada ser mulher, o problema é aquela mulher ser deputada; se eu tentar explicar por que razão a caça civilizada é um acto natural, chamam-me assassino dos pobres animaizinhos, sem sequer quererem perceber que os animaizinhos só existem porque há quem os crie, quem os cace e quem os coma; se eu chego a Lisboa, como me aconteceu há dias, e, a vinte quilómetros de distância num céu límpido, vejo uma impressionante nuvem de poluição sobre a cidade, vão-me dizer que o que incomoda verdadeiramente é o fumo do meu cigarro, e até já em Espanha e Itália, os meus países mais queridos, tenho de fumar envergonhadamente à porta dos bares e restaurantes, como um cão tinhoso; enfim, se eu escrever velho em vez de «idoso», drogado em vez de «tóxicodependente», cego em vez de «invisual», preso em vez de «recluso» ou impotente em vez de «portador de disfunção eréctil», vou ser adoptado nas escolas do país como exemplo do vocabulário que não se deve usar. Vou confessar tudo, vou abrir o peito às balas: estou a ficar farto desta gente, deste cerco de vigilantes da opinião e da moral, deste exército de eunucos intelectuais.
Agora vêm-nos com esta história dos «cartoons» sobre Maomé saídos num jornal dinamarquês. Ao princípio a coisa não teve qualquer importância: um «fait-divers» na vida da liberdade de imprensa num país democrático. Mas assim que o incidente foi crescendo e que os grandes exportadores de petróleo, com a Arábia Saudita à cabeça, começaram a exigir desculpas de Estado e a ameaçar com represálias ao comércio e às relações económicas e diplomáticas, as opiniões públicas assustaram-se, os governantes europeus meteram a viola da liberdade de imprensa ao saco e a srª comissária europeia para os Direitos Humanos (!) anunciou um inquérito para apurar eventuais sintomas de «racismo» ou de «intolerância religiosa» nos «cartoons» profanos. Eis aonde se chega na estrada do politicamente correcto: a intolerância religiosa não é de quem quer proibir os «cartoons», mas de quem os publica!
A Dinamarca não tem petróleo, mas é um dos países mais civilizados do mundo: tem um verdadeiro Estado Social, uma sociedade aberta que pratica a igualdade de direitos a todos os níveis, respeita todas as crenças, protege todas as minorias, defende o cidadão contra os abusos do Estado e a liberdade contra os poderosos, socorre os doentes e os velhos, ajuda os desfavorecidos, acolhe os exilados, repudia as mordomias do poder, cobra impostos a todos os ricos, sem excepção, e distribui pelos pobres. A Arábia Saudita tem petróleo e pouco mais: é um país onde as mulheres estão excluídas dos direitos, onde a lei e o Estado se confundem com a religião, onde uma oligarquia corrupta e ostentatória divide entre si o grosso das receitas do petróleo, onde uma polícia de costumes varre as ruas em busca de sinais de «imoralidade» privada, onde os condenados são enforcados em praça pública, os ladrões decepados e as «adúlteras» apedrejadas em nome de um código moral escrito há quase seiscentos anos. E a Dinamarca tem de pedir desculpas à Arábia Saudita por ser como é e por acreditar nos valores em que acredita?
Eu não teria escrito nem publicado «cartoons» a troçar com Maomé ou com a Nossa Senhora de Fátima. Porque respeito as crenças e a sensibilidade religiosa dos outros, por mais absurdas que elas me possam parecer. Mas no meu código de valores - que é o da liberdade - não proíbo que outros o façam, porque a falta de gosto ou de sensibilidade também têm a liberdade de existir. E depois as pessoas escolhem o que adoptar. É essa a grande diferença: seguramente que vai haver quem pegue neste meu texto e o deite ao lixo, indignado. É o seu direito. Mas censurá-lo previamente, como alguns seguramente gostariam, isso não.
É por isso que eu, que todavia sou um apaixonado pelo mundo árabe e islâmico, quanto toca ao essencial, sou europeu - graças a Deus. Pelo menos, enquanto nos deixarem ser e tivermos orgulho e vontade em continuar a ser a sociedade da liberdade e da tolerância."

Miguel Sousa Tavares

4.2.06




Começa de facto, a assumir contornos muito preocupantes, toda esta questão que gira em torno das caricaturas produzidas na Dinamarca. Penso que em breves frases, Miguel Sousa Tavares e José Pacheco Pereira tocam no essencial da questão, pelo que, irei transcrevê-las de seguida:


"Eis aonde se chega na estrada do politicamente correcto: a intolerância religiosa não é de quem quer proibir os "cartoons", mas de quem os publica!"
Miguel Sousa Tavares
Expresso


"A história das caricaturas dinamarquesas é extremamente simples e começa e acaba numa linha: é uma questão de liberdade. Ou há, ou não há. O que é novo e precupante são as toalhas de palavras e justificações que começam a ocultar o que devia ser absolutamente simples e onde qualquer palavra a mais é demais."

José Pacheco Pereira
http://abrupto.blogspot.com/

3.2.06

Aviso à Navegação

A Juventude Socialista é uma estrutura política de jovens. A sua história, com pouco mais de 30 anos, revela a importância e responsabilidade com que já interviu nos vários sectores da sociedade portuguesa.

É, portanto, uma estrutura que não pode remar sem rumo, não pode deixar de reconhecer os seus faróis e limitar-se a seguir os barcos que por ela passam.

Já não é de agora que a J.S. vem defendendo a legalização dos casamentos de homossexuais, entre outros temas igualmente importantes. Mas, não pode reagir em vez de agir com a responsabilidade que lhe compete, não pode limitar-se à reacção imediata porque lá atrás vem outro, porque um qualquer elemento exterior parece ameaçar o protagonismo.

O sucesso das várias iniciativas desta estrutura deve-se a acção, a um espirito de iniciativa que coloca toda a estrutura, em qualquer ponto do país, do Secretário Geral ao militante de base, a debater uma questão a participar na sua solução, a acreditar numa causa e a lutar por ela.

Aproveito para sugerir que esta grave questão que coloca em causa a igualdade entre seres seja tratada com a devida dignidade. Não é um mero argumento para mais protagonismo, muito menos para justificar actividade, menos ainda para justificar a necessidade de afirmação de alguém.

Proponho o lançamento de uma campanha que sensibilize o maior número de cidadãos portugueses, e obviamente aqueles que mais responsabilidades têm.
O Partido Socialista como partido que defende a igualdade, saberá certamente reconhecer o que se trata e motivar-se, também, para esclarecer esta situação, como já aconteceu noutras causas onde a JS foi pioneira.

Portugal não é diferente, nem melhor do que qualquer outro país se for o 5º mundial ou o 4º país da Europa a legalizar o casamento entre homossexuais. Será diferente e mais moderno se realmente compreender o que se trata, se ganhar maturidade suficiente para tratar todo e qualquer cidadão da mesma forma, sem piadas, sem gracinhas, sem reservas de consciência, sem exclusões e repressões.



Porque há mais marés que marinheiros, acredito que melhores dias viram.



É revoltante e inaceitável, a situação que se vive actualmente na Juventude Socialista. (Des) Orientada por um líder que busca unicamente protagonismo pessoal fácil, e que por isso abraça unicamente causas que motivam polémica na opinião pública, devido á cobertura que têm merecido por parte dos media.

Senão analisem-se os factos:

- Desde o dia que foi eleito, que a sua principal preocupação foi, espantem-se, a sua reeleição;

- No momento em que se encontra em curso a requalificação da rede escolar do 1º. Ciclo, que necessita de um acompanhamento atento, devido ás especificidades das nossas diferentes regiões, que poderão por em causa condições essenciais de estudo e formação das nossas crianças, a J.S. não se pronuncia;

-Quando se discute Bolonha, que na actual forma irá retirar direitos adquiridos aos estudantes do Ensino Superior, a J.S. não se pronuncia;

-Vão prescrever este ano, se nada for feito em sentido contrário, milhares de alunos do Ensino Superior. Vítimas de uma Lei de Financiamento injusta, com particular relevo para o seu artigo 5º que define um Regime de Prescrições, que imputa levianamente a responsabilidade do insucesso escolar unicamente ao aluno. Não tendo em conta a qualificação e capacidade pedagógica dos Docentes, a disponibilização de meios humanos a materiais por parte das instituições, entre outras...a J.S. não se pronuncia;

- Existe neste momento uma descriminação inaceitável, na atribuição de verbas para a Acção Social para os diferentes subsistemas de ensino, a J.S. não se pronuncia;

-Militantes da J.S. candidatam-se a Associações e Federações Académicas. Defendo que a J.S., ou uma outra qualquer organização política, não se deve intrometer nas actividades associativas, mas deve incentivar os seus membros a participar activamente para que possam dar o seu melhor contributo. A J.S. não apoia...a J.S. não se pronuncia;

-Surgem na televisão duas mulheres que se pretendem casar, e o Secretário-Geral da J.S., pronuncia-se de imediato. Num claro desrespeito pelos restantes deputados da J.S., que foram eleitos, e portanto, não são nenhuns fantoches, Pedro Nuno Santos avança com uma proposta de lei para legalizar os casamentos homossexuais. Mais uma vez Pedro Nuno Santos vai a reboque do Bloco de Esquerda, como aconteceu na despenalização do aborto, na legalização das drogas e agora na legalização de casamentos homossexuais.

1º É um comportamento verdadeiramente Estalinista, desprezar os restantes deputados da A.R. da J.S., e avançar sozinho sem consultar ninguém, dizendo que fala por toda a J.S.;

2º É uma vergonhosa busca de protagonismo e visibilidade, à qual o facto de estarmos em ano de congresso, não deve ser alheia;

3º Não desprezo a despenalização do aborto, a legalização das drogas e a legalização de casamentos homossexuais, mas existe muito mais Juventude para além destes temas. Existem problemas, que não serão tão mediáticos, mas de importância crucial para os nossos jovens, para o nosso País;

É por estas e outras razões, que a seu tempo virão a público, que eu não apoio o Pedro Nuno Santos, nem me revejo minimamente na sua (falta) estratégia ou conduta política. Tudo farei, para que surja uma alternativa credível, com qualidade, que devolva à J.S. o prestígio e credibilidade de tempos passados.